A Grande Naturalização de 1889
Nas
últimas semanas, uma informação importante sinalizou o que pode ser considerado
um novo momento ligado ao reconhecimento da cidadania italiana - duas sentenças
negativas (em segundo grau) no Tribunale di Roma, baseadas na grande
naturalização brasileira. O fato é que esse cenário já era esperado e
advertido há anos, mas não por essa via.
Primeiramente,
na sequência de um pedido judicial para pedido de cidadania italiana, formulado
por alguns cidadãos brasileiros, o Tribunal de Roma emitiu uma sentença com a
qual declarou os requerentes cidadãos italianos.
Em
segunda instância, com uma sentença proferida em 5 de julho de 2021, o Tribunal
de Recurso (Corte d’Appello) de Roma indeferiu o pedido dos
requerentes (recorrentes na primeira instância).
Os
argumentos dos juízes de segunda instância foram os seguintes:
- entre 1899 e 1891, o governo brasileiro emitiu medidas de naturalização
massivas e coativas para os estrangeiros que estivessem em território
brasileiro.
- esta disposição não causou automaticamente a perda da cidadania italiana de
emigrantes italianos no Brasil (a lei italiana nunca reconheceu as
naturalizações forçadas e não espontâneas) MAS ...
- ...o antepassado dos requerentes - segundo os juízes de Roma - teria feito uma
aceitação tácita da nova cidadania brasileira (com renúncia simultânea da
italiana original), devido à sua inserção no contexto social brasileiro.
Esta
decisão adota uma solução completamente nova e isolada no que diz respeito aos
princípios e regras seguidos por quase 150 anos por todos os órgãos públicos
italianos, em matéria legislativa, administrativa e judicial.
A
título de exemplo, gostaria de destacar a sentença do Tribunal de Cassação (Corte
di Cassazione) 4466/2009, órgão jurisdicional acima dos tribunais e Tribunais
de Recurso, segundo a qual a cidadania deve ser considerada automaticamente
recuperada para aqueles que a perderam ou não a adquiriram por regra injusta,
onde não houve renúncia expressa à condição dos titulares do direito.
Saliento,
ainda, do mesmo juiz, a sentença n.º 22.271 de 2016, que assinala que todos os
vários métodos de perda tácita, forçada, automática ou presumida, são
incompatíveis com a atual estrutura da instituição de cidadania italiana.
Devem,
portanto, identificar uma vontade clara, livre, manifesta, consciente e
declarada de renunciar à cidadania italiana.
Por
último, gostaria de salientar que apesar da resolução restritiva da Corte d’Appello
e do Ministero dell’Interno italiano a orientação do Tribunal de Roma era
unânime em considerar que a chamada grande naturalização brasileira não
teria efeito na perda da cidadania italiana.
Portanto,
até o momento, apesar das orientações prevalecentes que são contrárias à Corte
d’Appello de Roma não é possível confirmar que não deve haver
nenhuma mudança significativa.
O
embasamento das sentenças recentes acima citadas mostra um forte movimento para
não só pausar os pedidos em andamento, mas principalmente, desencorajar novos
processos. Por enquanto, ainda existem muitas dúvidas em relação ao assunto e,
por isso, monitoramos a situação cotidianamente e estamos constantemente
atualizando-a com políticos e advogados na Itália.
Baseados nisso, apesar do caráter inconstitucional do atual movimento, a decisão da Corte d’Appello de Roma, defendendo a validade da Grande Naturalização, poderá ser muito em breve o divisor de águas do direito de todos os 30 milhões de descendentes italianos no Brasil.
ENTENDA O QUE É A GRANDE NATURALIZAÇÃO
A grande naturalização foi uma naturalização velada
(ou seja, sem levar em consideração a vontade dos estrangeiros) que se deu por
imposição legal do Estado brasileiro (refere-se ao decreto n° 58-A, de
14/12/1889), determinando que todos os estrangeiros residentes no país a 15 de
novembro de 1889, seriam considerados cidadãos brasileiros, exceto declaração
em contrário feita perante a municipalidade, no prazo de seis meses da
publicação do referido decreto.
Segundo consta, o objetivo do decreto referente à Grande Naturalização era permitir que os estrangeiros residentes no Brasil pudessem ter participação ativa no cenário político, incluindo direito à voto e candidatura a cargos públicos (exceto para chefe de Estado, só permitido para brasileiros natos).
Em maio de 1890, o decreto n° 396 foi editado, permitindo que fossem feitas declarações pelos estrangeiros que optassem pela NÃO NATURALIZAÇÃO BRASILEIRA, em qualquer delegacia ou subdelegacia de polícia, bem como os agentes diplomáticos e consulares. E o decreto n° 479 (de 13 de junho de 1890) prorrogou o prazo para que essas declarações fossem feitas até 31 de dezembro de 1890 (vale lembrar que a Itália só passou a reconhecer a dupla cidadania com a Lei n° 555, de 13/06/1912).
Qual
a consequência de todo esse movimento? Estrangeiros residentes no Brasil que
não tivessem prestado a declaração contrária à naturalização, passariam a ser
considerados legalmente brasileiros. Ou seja: perante a Itália, esta GRANDE
NATURALIZAÇÃO substituiria a cidadania italiana original, e essas pessoas
seriam consideradas exclusivamente brasileiras - assim como seus filhos e
descendentes - impossibilitando a transmissão da cidadania italiana.
Porém,
vale ressaltar dois pontos importantes:
-
A maior
parte dos imigrantes italianos era analfabeta, sem domínio da língua portuguesa
e muitos estavam instalados em locais de difícil acesso, como fazendas ou
colônias (como as que foram estabelecidas no sul do país). Portanto, embora
tenha existido um prazo para que houvesse uma posição contrária à naturalização
por parte dos estrangeiros, muitos sequer tiveram conhecimento dessas leis e
decretos.
- Esse panorama fica evidente tanto nos registros civis de muitos estrangeiros afetados pelas normativas (que seguiam se registrando e autodeclarando estrangeiros mesmo após 1891) quanto pela evidente desinformação de boa parte dos consulados, que seguiam emitindo passaportes de seus cidadãos (que, de acordo com o decreto, estariam incluídos nesse grupo).
Autores:
Nátali Cristina Lazzari - Historiadora e líder da Equipe Avanti
Ricardo Tassan Solet - Advogado Italiano especializado em direito civil e comercial, na área extrajudicial, direito sucessório e securitário, bem como em questões relativas aos direitos da cidadania.
Tradução Integral da Determinação do Ministério do Interior relativa a todos os processos brasileiros de reconhecimento de dupla cidadania iure sanguinis.
ASSUNTO: reconhecimento da cidadania italiana iure sanguinis
Faz-se referência às funções, próprias aos oficiais de
estado civil das cidades (nota de tradução: equivalente ao registro civil
brasileiro), de revisão e definição dos complexos pedidos de reconhecimento
da cidadania italiana iure sanguinis a estrangeiros de cepo italiano. Em tal questão,
assinala-se de ter realizado, com o Ministério das Relações Exteriores e da Cooperação
Internacional e a Procuradoria Geral do Estado, um complexo percurso de
pesquisa e aprofundamento de novas aquisições documentais, que conduziram a
duas sentenças inovativas recentemente adotadas pela Tribunal de Apelação (nota
de tradução: Corte de Appello) de Roma, no âmbito do notável contencioso
pendente no assunto.
Especificamente, os Juízes de segundo grau consideraram
já por duas vezes que, para o caso de um cidadão italiano emigrado no Brasil no
final do século 19 (no período da Grande Naturalização Brasileira de 1889), “se
presume claramente à aceitação tácita da ocorrida aquisição da cidadania
brasileira e sobretudo a contextual renúncia àquela italiana à luz do disposto
de cujo artigo 11 do Código Civil de 1865”.
Foi, portanto, negado o pedido de reconhecimento iure
sanguinis da cidadania dos descendentes do antepassado italiano sobre a base da
ocorrida interrupção da linha de transmissão.
As linhas interpretativas traçadas em tais importantes pareceres jurisdicionais poderão a partir de agora serem utilizadas pelos Oficiais de Estado Civil das Cidades com relativos processos em curso, especialmente para estabelecer a ordem tratativa dos pedidos.
Se poderá, então, dar prioridade às definições dos
processos de cidadania iure sanguinis nos quais seja provada descendência de um
antepassado não interessado pela Grande Naturalização Brasileira de 1889,
deixando os processos envolvidos pela mesma para um momento sucessivo, ao qual
a orientação jurisprudencial será melhor consolidada, esperamos, com um parecer
da Corte de Cassação.
Os mesmos elementos informativos poderão além disso
ser utilizados em caso de ações legais para pedidos nos quais é apregoada
descendência de antepassado envolvido na Grande Naturalização Brasileira de
1889: especialmente os Oficiais de Estado Civil, poderão – sem rejeitar os
pedidos – assinalar a necessidade de adiamento para demais informações,
contrapondo à exigência de considerar a orientação das sentenças anteriores do Tribunal
de Apelação (nota de tradução: Corte de Appello).
Isso poderá consentir de empregar da melhor maneira os
recursos disponíveis e salvaguardar o bom andamento administrativo na gestão
complexiva dos pedidos de cidadania, observando os princípios dos quais ao
artigo 97 da Constituição.
Ratifica-se a oportunidade de verificar sempre a
verificação pontual da regularidade da inscrição anagrafica (nota de
tradução: inscrição de residência formal na Itália) da Cidade de
apresentação do pedido de reconhecimento iure sanguinis, vistas os frequentes problemas
encontrados na gestão dos processos relativos.
Representa-se, de acordo com a Direção Central para os
Serviços Demográficos a de acordo com o que foi reportado pelo Ministério das
relações Exteriores e da Cooperação Internacional a rete consular dos Oficiais
do Estado Civil no exterior, para que estes escritórios informem plenamente as
cidades de quanto foi descrito, para a organização das atividades de
competência na matéria.
Em reserva de breves atualizações, à disposição
para qualquer eventual esclarecimento.
O diretor central
Rabuano