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A Grande Naturalização de 1889

Duas sentenças recentes (que se apoiam na grande naturalização) sinalizam mudanças que devem dificultar ainda mais o reconhecimento da cidadania italiana
18/10/2021

Nas últimas semanas, uma informação importante sinalizou o que pode ser considerado um novo momento ligado ao reconhecimento da cidadania italiana - duas sentenças negativas (em segundo grau) no Tribunale di Roma, baseadas na grande naturalização brasileira. O fato é que esse cenário já era esperado e advertido há anos, mas não por essa via.

Primeiramente, na sequência de um pedido judicial para pedido de cidadania italiana, formulado por alguns cidadãos brasileiros, o Tribunal de Roma emitiu uma sentença com a qual declarou os requerentes cidadãos italianos.

Em segunda instância, com uma sentença proferida em 5 de julho de 2021, o Tribunal de Recurso (Corte d’Appello) de Roma indeferiu o pedido dos requerentes (recorrentes na primeira instância).

Os argumentos dos juízes de segunda instância foram os seguintes:

  1. entre 1899 e 1891, o governo brasileiro emitiu medidas de naturalização massivas e coativas para os estrangeiros que estivessem em território brasileiro.
  2. esta disposição não causou automaticamente a perda da cidadania italiana de emigrantes italianos no Brasil (a lei italiana nunca reconheceu as naturalizações forçadas e não espontâneas) MAS ...
  3. ...o antepassado dos requerentes - segundo os juízes de Roma - teria feito uma aceitação tácita da nova cidadania brasileira (com renúncia simultânea da italiana original), devido à sua inserção no contexto social brasileiro.

Esta decisão adota uma solução completamente nova e isolada no que diz respeito aos princípios e regras seguidos por quase 150 anos por todos os órgãos públicos italianos, em matéria legislativa, administrativa e judicial.

A título de exemplo, gostaria de destacar a sentença do Tribunal de Cassação (Corte di Cassazione) 4466/2009, órgão jurisdicional acima dos tribunais e Tribunais de Recurso, segundo a qual a cidadania deve ser considerada automaticamente recuperada para aqueles que a perderam ou não a adquiriram por regra injusta, onde não houve renúncia expressa à condição dos titulares do direito.

Saliento, ainda, do mesmo juiz, a sentença n.º 22.271 de 2016, que assinala que todos os vários métodos de perda tácita, forçada, automática ou presumida, são incompatíveis com a atual estrutura da instituição de cidadania italiana.

Devem, portanto, identificar uma vontade clara, livre, manifesta, consciente e declarada de renunciar à cidadania italiana.

Por último, gostaria de salientar que apesar da resolução restritiva da Corte d’Appello e do Ministero dell’Interno italiano a orientação do Tribunal de Roma era unânime em considerar que a chamada grande naturalização brasileira não teria efeito na perda da cidadania italiana.

Portanto, até o momento, apesar das orientações prevalecentes que são contrárias à Corte d’Appello de Roma não é possível confirmar que não deve haver nenhuma mudança significativa.

O embasamento das sentenças recentes acima citadas mostra um forte movimento para não só pausar os pedidos em andamento, mas principalmente, desencorajar novos processos. Por enquanto, ainda existem muitas dúvidas em relação ao assunto e, por isso, monitoramos a situação cotidianamente e estamos constantemente atualizando-a com políticos e advogados na Itália.

Baseados nisso, apesar do caráter inconstitucional do atual movimento, a decisão da Corte d’Appello de Roma, defendendo a validade da Grande Naturalização, poderá ser muito em breve o divisor de águas do direito de todos os 30 milhões de descendentes italianos no Brasil.  


ENTENDA O QUE É A GRANDE NATURALIZAÇÃO

A grande naturalização foi uma naturalização velada (ou seja, sem levar em consideração a vontade dos estrangeiros) que se deu por imposição legal do Estado brasileiro (refere-se ao decreto n° 58-A, de 14/12/1889), determinando que todos os estrangeiros residentes no país a 15 de novembro de 1889, seriam considerados cidadãos brasileiros, exceto declaração em contrário feita perante a municipalidade, no prazo de seis meses da publicação do referido decreto.

Segundo consta, o objetivo do decreto referente à Grande Naturalização era permitir que os estrangeiros residentes no Brasil pudessem ter participação ativa no cenário político, incluindo direito à voto e candidatura a cargos públicos (exceto para chefe de Estado, só permitido para brasileiros natos).

Em maio de 1890, o decreto n° 396 foi editado, permitindo que fossem feitas declarações pelos estrangeiros que optassem pela NÃO NATURALIZAÇÃO BRASILEIRA, em qualquer delegacia ou subdelegacia de polícia, bem como os agentes diplomáticos e consulares. E o decreto n° 479 (de 13 de junho de 1890) prorrogou o prazo para que essas declarações fossem feitas até 31 de dezembro de 1890 (vale lembrar que a Itália só passou a reconhecer a dupla cidadania com a Lei n° 555, de 13/06/1912).

Qual a consequência de todo esse movimento? Estrangeiros residentes no Brasil que não tivessem prestado a declaração contrária à naturalização, passariam a ser considerados legalmente brasileiros. Ou seja: perante a Itália, esta GRANDE NATURALIZAÇÃO substituiria a cidadania italiana original, e essas pessoas seriam consideradas exclusivamente brasileiras - assim como seus filhos e descendentes - impossibilitando a transmissão da cidadania italiana.

  Porém, vale ressaltar dois pontos importantes:

-       A maior parte dos imigrantes italianos era analfabeta, sem domínio da língua portuguesa e muitos estavam instalados em locais de difícil acesso, como fazendas ou colônias (como as que foram estabelecidas no sul do país). Portanto, embora tenha existido um prazo para que houvesse uma posição contrária à naturalização por parte dos estrangeiros, muitos sequer tiveram conhecimento dessas leis e decretos.

-   Esse panorama fica evidente tanto nos registros civis de muitos estrangeiros afetados pelas normativas (que seguiam se registrando e autodeclarando estrangeiros mesmo após 1891) quanto pela evidente desinformação de boa parte dos consulados, que seguiam emitindo passaportes de seus cidadãos (que, de acordo com o decreto, estariam incluídos nesse grupo).



Autores:

Nátali Cristina Lazzari - Historiadora e líder da Equipe Avanti

Ricardo Tassan Solet - Advogado Italiano especializado em direito civil e comercial, na área extrajudicial, direito sucessório e securitário, bem como em questões relativas aos direitos da cidadania.




Tradução Integral da Determinação do Ministério do Interior relativa a todos os processos brasileiros de reconhecimento de dupla cidadania iure sanguinis.

 

ASSUNTO: reconhecimento da cidadania italiana iure sanguinis

Faz-se referência às funções, próprias aos oficiais de estado civil das cidades (nota de tradução: equivalente ao registro civil brasileiro), de revisão e definição dos complexos pedidos de reconhecimento da cidadania italiana iure sanguinis a estrangeiros de cepo italiano. Em tal questão, assinala-se de ter realizado, com o Ministério das Relações Exteriores e da Cooperação Internacional e a Procuradoria Geral do Estado, um complexo percurso de pesquisa e aprofundamento de novas aquisições documentais, que conduziram a duas sentenças inovativas recentemente adotadas pela Tribunal de Apelação (nota de tradução: Corte de Appello) de Roma, no âmbito do notável contencioso pendente no assunto.

Especificamente, os Juízes de segundo grau consideraram já por duas vezes que, para o caso de um cidadão italiano emigrado no Brasil no final do século 19 (no período da Grande Naturalização Brasileira de 1889), “se presume claramente à aceitação tácita da ocorrida aquisição da cidadania brasileira e sobretudo a contextual renúncia àquela italiana à luz do disposto de cujo artigo 11 do Código Civil de 1865”.

Foi, portanto, negado o pedido de reconhecimento iure sanguinis da cidadania dos descendentes do antepassado italiano sobre a base da ocorrida interrupção da linha de transmissão.


As linhas interpretativas traçadas em tais importantes pareceres jurisdicionais poderão a partir de agora serem utilizadas pelos Oficiais de Estado Civil das Cidades com relativos processos em curso, especialmente para estabelecer a ordem tratativa dos pedidos.

Se poderá, então, dar prioridade às definições dos processos de cidadania iure sanguinis nos quais seja provada descendência de um antepassado não interessado pela Grande Naturalização Brasileira de 1889, deixando os processos envolvidos pela mesma para um momento sucessivo, ao qual a orientação jurisprudencial será melhor consolidada, esperamos, com um parecer da Corte de Cassação.

Os mesmos elementos informativos poderão além disso ser utilizados em caso de ações legais para pedidos nos quais é apregoada descendência de antepassado envolvido na Grande Naturalização Brasileira de 1889: especialmente os Oficiais de Estado Civil, poderão – sem rejeitar os pedidos – assinalar a necessidade de adiamento para demais informações, contrapondo à exigência de considerar a orientação das sentenças anteriores do Tribunal de Apelação (nota de tradução: Corte de Appello).

Isso poderá consentir de empregar da melhor maneira os recursos disponíveis e salvaguardar o bom andamento administrativo na gestão complexiva dos pedidos de cidadania, observando os princípios dos quais ao artigo 97 da Constituição.

Ratifica-se a oportunidade de verificar sempre a verificação pontual da regularidade da inscrição anagrafica (nota de tradução: inscrição de residência formal na Itália) da Cidade de apresentação do pedido de reconhecimento iure sanguinis, vistas os frequentes problemas encontrados na gestão dos processos relativos.

Representa-se, de acordo com a Direção Central para os Serviços Demográficos a de acordo com o que foi reportado pelo Ministério das relações Exteriores e da Cooperação Internacional a rete consular dos Oficiais do Estado Civil no exterior, para que estes escritórios informem plenamente as cidades de quanto foi descrito, para a organização das atividades de competência na matéria.

Em reserva de breves atualizações, à disposição para qualquer eventual esclarecimento.

O diretor central

Rabuano